Fiquei refletindo muito esses dias sobre como os discursos vão construindo condutas. Fomos bombardeados na última semana com notícias de sofrimentos envolvendo mulheres, seja por traição, seja por abusos, e o levantamento quase instantâneo de uma série de análises e teorias fazendo referência ao último texto que postei aqui - a necessidade do apontamento instantâneo de análises psicológicas para fenômenos que acabaram de acontecer e o esvaziamento de pautas que isso provoca.
Dito isso, diversas bandeiras são levantadas. As principais que consegui indentificar foram:
Ora, ora, é preciso ouvir todos os lados
Trair um mulherão desses - ou se ATÉ a Iza é traída o que será de nós meros mortais
Teve também toda uma construção de como mulheres fortes não podem se contentar com homens fracos, ou feios, ou medianos
Por fim, em como é importante a sabedoria na escolha dos parceiros, que boa parte da responsabilidade nas violências sofridas passa na habilidade de escolher bem.
E o que todas essas bandeiras têm em comum? A responsabilização ou centralidade da mulher na pauta da violência. Como se ao ser menos bela, menos forte, escolher melhor ou dialogar de forma mais habilidosa fosse a saída para não viver experiências de abuso. Na necessidade de preparar mulheres para lidar de forma mais assertiva com as relações, de estar mais armada e preparada para identificar os processos, de encarar os relacionamentos como mais uma relação mercadológica, onde eu me capacito cada vez mais para me relacionar com alguém também capacitado, desenvolvido, forte.
E como o esvaziamento das pautas foge do diálogo realmente importante, a socialização feminina e masculina e as diferenças que impossibilitam ao longo prazo relacionamentos realmente saudáveis. Em uma construção, como bem enfatiza Valeska Zanello, que ensina os homens a amarem muitas coisas e as mulheres a amarem os homens. Que enfatiza na vida das mulheres, desde cedo, que o sucesso na vida é o sucesso de ter uma família, um relacionamento, de ser escolhida. Que ensina que o sonho pessoal é um sonho que depende do outro para acontecer, e a auto realização passa pela espera de que o tempo do outro seja o meu.
Não é no mínimo estranho perceber o descompasso que geralmente permeia os relacionamentos? As mulheres prontas para o compromisso, para o laço, para o caminhar, e os homens em sua maioria desejando algo além? O que falta para que esses encontros realmente aconteçam de forma genuína? Em sintonia? Para que os desejos caminhem em comum acordo?
Acabamos colocando como inato aquilo que é cultural. Naturalizamos que mulheres são assim, nascem assim, e os homens igualmente. E assim vamos reproduzindo, sem reflexão, uma cultura que perpetua relacionamentos descompassados na eterna pressão de quem vai ceder para ter os seus desejos atendidos.
Perdemos a chance de apostar no entendimento de que os relacionamentos são e precisam ser uma parte da vida, importantes claro, mas não afirmação de sucesso, de validação, de felicidade genuína. Que ganha corpo aquilo que colocamos nossa atenção, nossos afetos, onde estimulamos nosso desejo. E que desde cedo possam ser incentivadas a colocar nossos desejos e afetos em lugares para além dos relacionamentos amorosos. Que possamos ser estimuladas a encontrar sentidos diversos para além da escolha do outro, pois só estaremos realmente protegidas, se é que isso é possível, não quando formos menos fortes, mais dóceis, mais atentas ou habilidosas, e sim quando nossa existencia nao estiver condicionada a ser aceita, ser validada, ser aprovada e escolhida. Quando entenderem que não existe a opção da relação sem respeito, sem igualdade, sem empatia.
É um caminho a ser construído. Mas que sinceramente passa por uma profunda ressignificação de porque eu desejo o que desejo e o que eu topo manter para ver esses desejos atendidos. Não passa simplesmente da ideia de que o outro me aceite. Mas de um movimento onde não aceitar não seja uma opção.
nos vemos em breve,
Laura Oliveira